Uma técnica de alto desempenho que analisa o sequenciamento de milhões de pequenos fragmentos de DNA, o NGS, do inglês next generation sequencing ou sequenciamento de nova geração, revolucionou a medicina reprodutiva ao permitir sequenciar genomas inteiros ou restritos a áreas específicas rapidamente.
Possibilita, por exemplo, avaliar simultaneamente distúrbios genéticos e alterações cromossômicas, assegurando a seleção de embriões geneticamente saudáveis, ao mesmo tempo que permite uma análise precisa do ciclo endometrial e a definição do melhor período de receptividade endometrial, pro meio do exame de receptividade endometrial (ERA).
Essas análises contribuíram para diminuir significativamente o número de casos relacionados à falha repetida de implantação do embrião. A implantação de embrião é um dos principais parâmetros para o sucesso dos tratamentos por fertilização in vitro (FIV).
A tecnologia NGS é ainda importante em outras práticas clínicas, como a microbiologia e a oncologia. Na microbiologia, por exemplo, possibilitou a definição dos genomas de patógenos, inclusive com o cruzamento de informações como sensibilidade às drogas e a relação entre diferentes agentes, permitindo rastrear fontes relacionadas a surtos de infecção.
Os genomas do câncer também podem ser sistematicamente estudados por NGS, proporcionando diagnóstico e classificação mais precisos da doença e a identificação de possíveis mutações.
Este texto aborda o funcionamento da tecnologia NGS nos tratamentos por FIV.
As ferramentas de NGS são usadas nos tratamentos por FIV para identificar embriões com saúde antes da implantação no útero, com a utilização do teste genético pré-implantacional (PGT) ou para definir o melhor período de receptividade endometrial, com o auxílio do teste ERA.
O teste Era analisa o sequenciamento genético de mais de 200 genes relacionados ao estado de receptividade endometrial.
Diferentes condições, como endométrio fino, fatores imunológicos, expressão alterada de moléculas adesivas, defeitos espermáticos, além de distúrbios genéticos e alterações cromossômicas, podem diminuir a receptividade endometrial, provocando a falha repetida de implantação (RIF).
Considerada o principal fator de infertilidade sem causa aparente (ISCA), a falha repetida de implantação é ao mesmo tempo a principal responsável pelos casos em que o tratamento é malsucedido.
Em um ciclo natural, o endométrio é regulado por hormônios ovarianos e segregados por células vizinhas, passando por diferentes modificações cíclicas: do primeiro dia, quando a descamação da camada funcional provoca a menstruação, à fase lútea, em que, estimulado pelo aumento nos níveis de progesterona, adquire um fenótipo receptivo permitindo a implantação. O período é conhecido como ‘janela de implantação’ e dura entre 4 e 5 dias.
Nos ciclos de fertilização in vitro (FIV), entretanto, os níveis hormonais aumentam como consequência da estimulação ovariana, provocando uma variação na receptividade endometrial. O teste ERA permite diagnosticar com precisão o ciclo endometrial e a receptividade do endométrio, definindo o melhor momento para implantação do embrião.
Realizado em pacientes com alto risco de distúrbios monogênicos e anormalidades cromossômicas, o teste genético pré-implantacional (PGT) é ainda utilizado como alternativa para melhorar as chances de gravidez em pacientes com prognósticos ruins após o tratamento de infertilidade, como idade materna avançada, falha repetida de implantação e, consequentemente, abortos de repetição.
A análise é realizada por meio de diferentes técnicas: PGT-M, PGT-A e PGT-SR.
A técnica utilizada para analisar os genes responsáveis por doenças hereditárias é o PGT-M, na grande maioria das vezes provocadas por um único gene (doenças monogênicas), que pode ser dominante ou recessivo.
O teste pode ser feito por casais ou pessoas solteiras que possuam alguma alteração genética ou anormalidade cromossômica, independentemente de serem ou não inférteis, desde que submetidos à FIV.
As chances de o bebê herdar o distúrbio genético variam de 50%, quando o gene é dominante, a 25%, quando é recessivo. Entre as doenças transmitidas por um gene dominante está a acondroplasia, caracterizada pelo desenvolvimento anormal dos ossos, causando nanismo.
Já os exemplos mais comuns de doenças genéticas transmitidas por genes recessivos incluem a fibrose cística, um distúrbio das glândulas que causa desde o excesso de muco nos pulmões a problemas na absorção de alimentos, com risco de também afetar o sistema reprodutor masculino, ou doenças relacionadas ao cromossomo X, como a hemofilia, caracterizada por problemas de coagulação sanguínea.
As técnicas PGT-A e PGT-SR analisam as alterações cromossômicas. Além de herdadas dos pais, elas podem ocorrer, ao mesmo tempo, sem histórico familiar, com o avanço da idade, por exemplo, quando o envelhecimento dos óvulos ou diminuição da qualidade dos espermatozoides aumenta a possibilidade para o desenvolvimento delas.
Entre os problemas mais comuns está a aneuploidia, condição em que há um número maior ou menor de cromossomos do que o número normal, como a síndrome de Down, em que o cromossomo 21 tem três cópias (trissomia 21).
A incidência de aneuploidia cromossômica em óvulos ou embriões pode causar baixas taxas de implantação. Por isso, mesmo após a transferência de embriões de boa qualidade, muitas mulheres não conseguem manter a gravidez. A aneuploidia também é uma das principais causas de abortos espontâneos e defeitos congênitos.
A realização do teste genético pré-implantacional nos embriões antes da implantação no útero, entretanto, permite a análise do número de cópias de todos os cromossomos por biópsia do embrião e, consequentemente, a transferência apenas dos embriões saudáveis, reduzindo as taxas de aborto e aumentando significativamente as de implantação.
Nos dois procedimentos, o teste genético pré-implantacional apresenta boas taxas de sucesso gestacional.